Os almoços na casa do meu tio Faustino eram como ir à missa do Diabo. Era o que dizia a minha tia Judite com verdade! Pataniscas com arroz de feijoca, salada de alface, pepino e cebola, pão do Zé da Russa e água-pé prós miudos.Vamos embora! Um gaijo saia de lá cheio de calor e todo encarnado, uma pançada que não lembrava nem ao menino Jesus. Houve um Sábado que a minha tia teve que guardar as pataniscas todas à pressa. Parece que tinha morrido o cura e o pessoal ficou sem almoçar. No dia do enterro, o meu tio ficou lá atrás connosco, contou-nos anedotas a marcha toda. Ia destapando o Taparowere das pataniscas e enchemos o bandulho à mesma. Acho que foi o cura da primeira comunhão, não tenho a certeza.
Já no fim da rua morava um senhor muito gordo e de certa idade. Era muito rico, vaidoso e estranho, toda a gente dizia que era maricas. Para nós era apenas o "Gordo". Nunca tinha visitas, a não ser uma filha que lá ia no Natal. Ainda me lembro! Quando foi para o tirar dentro de casa, já morto, foi uma carga de trabalhos. O meu pai ainda gozou com isso uns tempos. - «não comas muito, que ainda inchas como o Gordo e nem 7 bombeiros te valem!» - agente ria-se muito e batia com as mãos em cima da mesa. A minha mãe não achava piada nenhuma.
Para além de ser um galdério era também um bêbado. Isto na opinião de toda a gente lá da rua. Para nós era apenas o primo mais velho que nos piscava o olho e nunca nos repreendia. Tinha uma mota encarnada e passava a abrasar à porta da mercearia sempre à mesma hora. A rapaziada ficava ali um bocadinho até o ver passar, depois íamos à nossa vida. E ele também.
O presidente da associação de moradores era um bocado chato, pelo menos era o que o meu pai dizia.O senhor era pai do Lampreia, que era um bocadinho chato também - «Assim só se estraga uma casa!» - dizia a minha mãe.Uma vez ouve uma grande zaragata por acusa de uns canos rotos à porta da associação. O pessoal lá da rua passou-se e chegou-lhe a roupa ao pêlo. Lembro-me que o meu pai também molhou o pão na sopa.Nesse dia o Lampreia deixou de ser um chato e fomos todos jogar à porrada para o quintal da avó do Teixeira.O Lampreia e eu ganhámos 3 vezes.
Naquela semana não se falou de outra coisa. Apareceu por lá um senhor que nem era estranho nem era normal, era só um senhor.Em poucos dias vendeu uma série de material, uns patins ao Teixeira, um "1,2,3" à mãe do Gouveia, uma bigorna ao meu pai e um avião que ninguém teve coragem de lhe pegar. Acho que tiveram medo de qualquer coisa, ninguém queria assumir a responsabilidade e calaram-se todos.Se não fosse o dinheiro do peditório tinha comprado a merda do avião, pelo menos não tinha ficado entalado até hoje.
Houve uma altura que uma senhora amiga da minha mãe meteu-se no jogo. Acho que era bingo, ouvia dizer. Chegava a perder 5 e 10 contos na mesma noite. «Quem me dera perder tanto dinheiro» - pensava.
Na ultima quinzena de Outubro havia uma espécie de festa lá na rua. Já nem me lembro porquê. Vinham sempre ciganos e farturas. Nesses dias podíamos ficar até à uma e o meu pai dava-me sempre 500 escudos. Derretia o dinheiro todo em porcarias, tiros e merdices. Houve um ano que apliquei o dinheiro todo numa garrafa de ginja. Aquilo é que foi! No dia seguinte não tinha dinheiro e fui pedir mais à minha mãe, disse-lhe que tinha dado tudo ao peditório e ela ralhou comigo. - «Isso são umas putas beatas!» Confesso que não estava à espera e fiquei arrependido.Nunca pensei que fossem beatas.
De vez em quando ainda gosto de falar nisso. Tinha uma prima que era mais atrevida que todas as miúdas da minha rua juntas, também era mais velha e tinha mais corpo. Na minha opinião também contava. Dizia-se que andava metida com o senhor do notário, ninguém tinha a certeza, a não ser eu e a rapaziada. Fazíamos bicha para os ver a bombar na mangueira. «É mesmo boa!» - dizia o Gouveia com as mãos dentro dos calções. Ainda hoje falamos dela, ele reformou-se.
Havia um senhor lá na rua que vivia sozinho, «tinha umas amigas!» dizia a minha mãe. Só sei dizer que ele já não andava bem. Naquele dia fez um grande buraco mesmo à frente de casa e convidou toda gente para ir lá espreitar, quando lá chegámos não havia nada. Estava à procura da cabeça e jurava que a tinha enterrado naquele sítio. Era só rir! Ninguém achou piada nenhuma, mas ao fim ao cabo era muito boa ideia. Quem sabe se a cabeça estava mesmo ali?Acho que não a chegou a encontrar, mas eu sim.
Tínhamos um tio que era maluco. Na Páscoa íamos sempre lá a casa levar umas amêndoas e falar um bocadinho com ele. Um dia, quando batemos à porta, estava ele a fazer uma surpresa!Lembro-me que metia a cabeça dentro do fogão e que se babava muito enquanto nos dava as boas vindas. Tive que levar um valente tabefe para parar de me rir que nem um perdido. O meu tio era do caraças! Continuámos a ir lá todas as Páscoas. Nunca mais me esqueço do estaladão que levei!
Ainda me lembro bem! Certo dia fomos jogar à porrada para o quintal da avó do Teixeira, a velhota começou aos berros que lhe escavacávamos as flores todas, o pessoal pôs-se logo no gozo e a fazer caretas. Coitada da senhora. Lembro-me também que nunca mais fomos jogar à porrada para lá, o pai do Teixeira comprou-lhe um computador e o pessoal ficava bastante mais sossegado - «Estão a ver como se portam bem!!» Foi a primeira vez que nos sentimos controlados por uma máquina. E até foi fixe! Quase tão fixe como a porrada!
Aos Domingos ficávamos quase sempre em casa. O meu pai aproveitava para dormir no sofá que era da minha avó, e nós pisgávamo-nos mal ele adormecia. Umas vezes íamos aos sapos, outras íamos apenas andar de bicicleta para ao pé do pinheiro manso. Um dia quando cheguei a casa, encontrei o meu pai a sorrir enquanto dormia. Acho que era da televisão que estava muito alta!
O Gouveia tinha um tio que visitava a mãe todos os Natais. Ele dizia que não gostava muito dele, mas a verdade é que o velho largava sempre a nota. Uma vez fomos lá para casa ouvir os discos que o tio lhe oferecia. Da música não me lembro nada, mas tenho a certeza que teria sido mais chato se não tivéssemos emborcado uma garrafa de vinho abafado. Que bela sessão de pontaria fizemos com a rolha ao retrato do tio do Gouveia e a respectiva Defunta. Aquilo é que foi rir. Deve ter sido do vinho.
O filho do senhor Constantino não era bom, isso já toda a gente sabia. Umas vezes era por causa do pai outras vezes por causa da mãe............dizia que se matava! Naquela semana andava tudo doido com ele, e o rapaz nada! Foi-se matar mais tarde já no fim de velho e sem ninguém estar à espera. Nunca percebi para que eram aqueles espectáculos.
Não eram todos os dias que íamos ver os barcos. Para além de ser muito longe, para cá era sempre a subir e eu era um dos mais fraquinhos. Tinha um amigo meu que quando lá chegava, bebia sempre um sumo com gás e dizia que um dia o iríamos compreender. Na verdade isso nunca chegou a acontecer, mas ele continua a lá ir. Nós é que não. Uma pena!
Havia um amigo do meu pai, que ele às vezes falava ao jantar. Parece que arranjava carrinhas ou era dono de uma loja de geradores.....qualquer coisa assim. Só me lembro que um dia nos contou que tinha feito um grande disparate, deixou a mulher e a filha sozinhas e tinha fugido com uma Brasileira.Lembro-me de sorrir de baixo do guardanapo e desejar fazer um disparate assim um dia. Depois passou.
Naquele dia estavam a dar umas notícias muito estranhas. Eu e a rapaziada passamos no café e toda a gente estava aflita, parece que era algum problema ou qualquer coisa assim. Tavam mesmo a pedi-las. Fanámos logo 3 maçãs e um bollycao, fugimos a correr e só parámos com um estoiro de uma bujarda no ar.................BUUMMM................. olhámos para trás e não era nada, continuavam todos a olhar para a televisão.
O meu avô dizia que isso seria uma grande parvoíce. E na verdade até era! Eu dava-lhe uma pancadinha falsa nas costas e ia-me embora. No fim fazia contas ao dinheiro que tinha e fechava os olhos em direcção à costa. Uma vez, acordei com uma valente bofetada, enquanto metia a mão na carteira da minha tia. Eram só 200 escudos.

Uma senhora amiga da minha mãe costumava ir muito lá a casa.Eu ficava a ouvir, fingia que mandava tiros para o ar e desenhava o que iam dizendo. Nunca cheguei a perceber nada, mas os desenhos ficavam quase sempre muito bonitos.Pelo menos era o que a tal senhora dizia. A minha mãe ficava contente. E eu também.
O senhor do café tinha sempre a televisão ligada, às vezes íamos para lá, fosse para roubar tanjas ou para comprarmos furos do Benfica. Lembro-me mais ou menos que era quinta-feira e chovia um bocadinho, na tal televisão falava um senhor que nenhum de nós percebia, virámos costas, fizemos 3 furos e não saiu nada. Dessa vez não chegámos a roubar tangerinas.